sexta-feira, 5 de junho de 2009

A escola dos Annales

Fez-se contra o vazio dos “fatos”, contra a pobreza de visão que reduzia o mundo ao jogo entre “grandes homens”, exércitos e povos. A Escola dos Annales é a busca por uma História totalizante, compreendendo o Homem na plenitude do seu viver. Para isso a História tradicional era incompleta e incompetente. Era preciso saquear as “Disciplinas do Homem” para transformar a História numa reflexão e numa prática afiadas. Ao mesmo tempo retoma momentos historiográficos abafados por uma avalanche positivista.

A “narrativa histórica” (a História romance) é substituída por uma “História Problema”; as Histórias parciais (militar, política), por uma História total (ambição hegeliana e do marxista bem antes dos Annales); a instituição de uma “colaboração interdisciplinar”, que traz para dentro da História horizontes, conceitos, inflexões de “outras disciplinas” (mas essa colaboração jamais foi uma ação ácida respeitando limites, respeitando seu próprio estatuto).

Seu aparecimento corresponde ao “súbito” envelhecimento tanto dos tradicionais conjuntos teóricos quanto das práticas historiográficas mantidas num eixo que não mais correspondia às “disfunções” produzidas pela 1ª Guerra Mundial, pela Revolução Russa, pela Relatividade, pelo Marxismo e por toda uma Arte e uma literatura aparentemente “fora do eixo”, fora da fala centrada, monofônica; se distanciando de uma narrativa ingênua, aquela que acredita que “representa o real”, uma reprodução fiel.

Essa História, no século XX, passou por configurações. A primeira, “revolucionária” (talvez a mais inteligente e sensível), no entre guerras, foi o momento onde se rompeu com as tradições da História Política e a dos simples eventos; a segunda, depois da 2ª Guerra, quando esses historiadores já haviam “chegado ao poder”, foi dominado por uma História que, em parte, desvenda seu primeiro momento: torna-se uma História das “longas durações”, uma história gelatinosa é o seu produto; o terceiro, fragmentar e microhistórico, completa o processo não apenas que distende a razão dos Annales, mas que a faz compreensível, principalmente com a volta de muitos “novos historiadores” a renovadas “histórias políticas” e socioculturais.

Mas os Annales não foram, inicialmente, contra a História, mas contra certa História que se tornara, apesar de secundária, aquilo que se chamava e se compreendia como a História. Não era sequer a História de Ranke, de Michelet ou de Burckhardt; não era Marxista ou a História de Fustel de Coulanges. Era aquilo que se transformou na História Oficial. Havia perdido o brilho até mesmo daquela História escrita no século XVIII.

Seu projeto se fez de de dentro da Sociologia de Durkheim, da Geografia de Vidal de La Blanche e Ratzel e de toda uma História que nas suas inflexões, fragmentos ou propostas apontava para uma atuação mais ampla, mais rigorosa, mais interdisciplinar.

Sua escritura dissolveu, ou baniu para instâncias secundárias, a “narrativa histórica”, mas essa escritura não foi jamais uma clivagem radical. Ela escolheu aquilo que já funcionava brilhantemente, apesar de marginal e esporádico, e abandonou o que já estava envelhecido e não mais funcionava para novas realidades que se impunham. Mas essa “outra História” não enfrentou a principal matéria da História que é o presente. Sua interdisciplinaridade característica, sua plasticidade e democracia dentro dos arsenais das “outras disciplinas” não dissolveram os limites.

Texto extraído do site Primeira Versão

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